quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Não é de bom tom admitir certas coisas. Quem quiser atirar a primeira pedra, faça o favor.

Podia ser bem mais cabra do que sou, mas não consigo. Não sou o protótipo de mulher sensual, sofisticada e com aspirações a casamento e filhos. Nem quero ser. Não estou realmente apaixonada. Recebo muito menos do que dou. Não me apetece tomar uma decisão, mas sei que não me vou acomodar por muito mais tempo. Trabalhei imenso nestes últimos três anos. Perdi a força e tento manter-me à superfície. A ideia pré-concebida que tinha do que queria até aos trinta esfumou-se. Só vejo névoa. Estou dormente, em tantos aspectos. Tenho ataques de pânico e choro até ficar desolhada. Também tenho pêlos encravados. Dou por mim a pensar que era tudo tão mais fácil há uns anos, quando ainda não se estava escaldado. Quero mudar, adio para amanhã. Durmo pouco, invento tudo para me deitar mais tarde. Quero estar sozinha, só aparecem planos. Quero companhia, fica tudo um bocado deserto. Na verdade, do que me queixo é da falta daquela companhia que vem de dentro, que não se pode pedir... acontece. E não tem acontecido. Culpa minha, com certeza. Movo mundos e fundos por quem está à minha volta, na esperança de me distrair de mim. Dou, mas não me dou. E censuro os outros por serem sovinas. No entanto, já há muito tempo, não assistia a tamanho acto de egoísmo. Num lado tão básico de nós, em duas décadas e uns trocos, nunca me tinham presenteado com tal feito. Quando os projectos são nossos, a possível derrota é um golpe muito mais fundo. E já há uns tempos atrás, o que me ocupa o peito assemelha-se a um ralo de banheira. Entupido, enferrujado. Numa frequência discreta, só se apoquenta com merdas porque grandes aventuras e felicidades andam raras. Já estive mais longe de me mandar lá para fora e ir lavar pratos. Adoro os meus pais, vejo os anos a passarem e penso que não sei o que vou fazer sem eles. Devia arranjar mais tempo, ser mais dedicada. Percebo que, para infelicidade do meu ego, a minha mãe tem razão na maior parte daqueles assuntos que importam. E que engano tudo e todos, mas a ela não. No último ano, estourei dinheiro a tentar encher aquele buraco na alma. Aquele que sabe que isso não vai mudar nada, mas que se alimenta de ilusões. Errei, paguei por isso. Há dias que me olho ao espelho e a minha cara não faz sentido, um mero conjunto de feições que nem reconheço bem. Já noto umas rugas de expressão, prefiro pensar que são de todas as gargalhadas e não das lágrimas. Acredito no amor dos outros, entre os outros. Não acredito que isso venha até mim, não da maneira que me completa. Bem lá no fundo, torço para estar enganada. Não tem acontecido. Nunca o admiti a ninguém, mas tenho saudades dele. Muito poucas, mas tenho. Não é sequer a ideia, mas ninguém chegou sequer perto. E é assim que deve ser, porque esse caminho deixou de existir. Escombros e relíquias do que foi e que não devem ser encontrados. Só por mim que sei onde estão e mesmo assim, é para evitar. E isto nem faz grande sentido, nem sei como acabar isto. E para os ouvintes que possam estar preocupados com a falta de palavrões e sarcasmo por estes lados, escolho resumir-vos tudo nisto: não faço a mínima ideia do que ando a fazer com a minha vida, mas caguei um avião. Que é como quem diz, por agora, não consigo melhor.

6 comentários:

  1. O texto está maravilhoso. Sincero, profundo, dá vontade de escrever, como tu, deitar tudo cá para fora assim, de uma só vez...

    "Acredito no amor dos outros, entre os outros. Não acredito que isso venha até mim, não da maneira que me completa. Bem lá no fundo, torço para estar enganada. Não tem acontecido." esta parte toca-me imenso, porque me identifico com essas palavras. Mas é errado pensar assim porque o amor pode perfeitamente chegar até nós. Às vezes acho que o problema está em não me amar a mim o suficiente para outra pessoa o fazer. Porque tal como tu, eu "dou, mas não me dou". Quero acreditar que circunstâncias da vida irão mudar isso, já que sozinha não tenho conseguido. Temos de lutar pela nossa felicidade mas, por vezes, é a nossa própria mente que nos faz infelizes. :)

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  2. Adorei este texto:) Ninguém é perfeito e é isso que nos faz ser gente.

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  3. Tens de olhar ao espelho todos os dias e tentar reconhecer essa cara que já quase não te parece familiar. Conhece-te a ti, ve o que queres dar. Porque se não deres, mas de coração, as coisas não voltam para nós. E isto dito de alguém que também está nesse processo. Believe me, eu sei onde estás. Agora, força! :)

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  4. "Adoro os meus pais, vejo os anos a passarem e penso que não sei o que vou fazer sem eles. Devia arranjar mais tempo, ser mais dedicada. Percebo que, para infelicidade do meu ego, a minha mãe tem razão na maior parte daqueles assuntos que importam. E que engano tudo e todos, mas a ela não." - tão, mas tão verdade, isto.

    De todas as coisas que já escreveste, este teu texto desabafado é o meu favorito. Como eu te compreendo em tantas partes, em tantas frases.

    (Anna Karina, a do doce feitiço que já não é feitiço porque é Maria Lisboa, mudei de casa e de canto*)

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  5. "Travessia no deserto", disse uma bonita senhora que já passou pelo mesmo sítio há uns anos. E disse ela também que chega um dia em que acaba. Esperemos que sim.

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  6. Joana, é um processo... força aí também ;)

    Ana, nem tinha piada se fossemos!

    Turtle, espero que também consigas dar a volta :) *

    Maria Lisboa, obrigado. Continuarei a ler-te com ou sem feitiço!

    Wiwia, esperemos que melhore ou que se ganhe calo para não moer tanto.

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